Por Tobias Leenaert (activista, co-fundador da organização ProVeg International, co-fundador da organização Center for Effective Vegan Advocacy (CEVA) e autor do livro How to Create a Vegan World: a Pragmatic Approach)
“Se não estás zangado não estás a prestar atenção”. Conhecem a frase? Ela sugere que a raiva é uma consequência necessária de ser um cidadão consciente, bem informado dos horrores a acontecer no mundo – no nosso caso, aos animais. Neste artigo “raiva” refere-se a raiva manifestada. Não podemos ser criticados por sentimentos, embora possamos aprender a controlá-los.
Existe realmente muita raiva no nosso movimento. Estamos zangados com as pessoas que fazem coisas horríveis aos animais, tanto na nossa como noutras culturas, nos matadouros, circos, quintas… Estamos zangados com as pessoas que lucram com os produtos de origem animal nos restaurantes e supermercados. Estamos zangados com os políticos que não tomam posição. E, de há um tempo para cá, parecemos também estar zangados com pessoas do nosso lado da vedação: outros veganos, pessoas com opiniões ou estratégias diferentes, celebridades aspirantes a veganas, pessoas que dão pequenos passos…
Por vezes, sinto que no nosso (ou, provavelmente em qualquer) movimento a raiva é de alguma forma colocada num pedestal. A raiva é vista como um sinal de compromisso com a causa. Pensa-se na raiva como fonte de energia e paixão. Crê-se que é a força motriz que nos ajuda a prosseguir.
Por outro lado, os ativistas que são positivos, abertos, tolerantes, que são capazes de perdoar e de serem compreensivos… em suma não raivosos, são, por vezes, vistos (é a minha impressão) com alguma desconfiança. Parece quase perverso responder a todo o horror com simpatia. O que se segue é uma mensagem que me enviaram e que me soou bastante familiar:
“Descobri que pensava que agarrar-me à raiva e à tristeza me tornavam num “vegano para toda vida” mais firme. E temia que os veganos alegres estivessem apenas a seguir uma moda e que em breve voltassem a ser omnívoros”.
Em geral, sou um indivíduo quase ingenuamente otimista e irritantemente positivo. Tenho fé na humanidade, consigo descortinar pontos positivos nas coisas mais terríveis e consigo ser minimamente compreensivo relativamente a coisas de que a maior parte das pessoas nem quereria ouvir falar. Mas, de vez em quando, zango-me. Com tanto sofrimento, injustiça, indiferença e estupidez. Consigo compreender a razão de pessoas no nosso movimento terem comportamentos menos serenos. Porque o horror do que acontece – do que estamos a fazer, enquanto espécie – aos animais não-humanos é tão incrivelmente grande que sentimos não haver outra opção. Portanto, sim. Por vezes, sinto definitivamente raiva.
O problema é que penso que esta raiva não me ajuda muito. Pelo contrário, creio que me prejudica a mim e à causa que defendo. Quando me zango tendo a julgar, a acusar e a um pensamento a preto e branco ou do tipo nós contra eles. Os meus pensamentos tornam-se menos racionais, tenho mais tendência para exagerar as coisas. Portanto, quando estou zangado torno-me menos convincente. Além do mais, enquanto movimento não somos em número suficiente para a nossa raiva fazer muito sentido. Mesmo se todas as pessoas no nosso movimento se indignassem nunca seria raiva suficiente para mudar as coisas neste momento. Além disso, não é sustentável estar zangado em permanência. Em vez de nos motivar, é algo que acabará por nos esgotar.
A opção alternativa é tentarmos compreender os outros. Necessitamos de os compreender de modo a podermos ajudá-los a abrirem o seu coração e a sua mente. Creio ser esta a nossa única opção sustentável. Mesmo podendo parecer um lugar-comum, são necessárias paciência, compaixão e empatia… não só em relação aos animais, mas também relativamente aos que abusam dos animais. A indignação é válida. É bom não aceitar algumas coisas (muitas coisas, neste mundo). Mas, não temos necessariamente de ficar zangados. Podemos, por assim dizer, odiar o pecado mas amar o pecador.
O que estou a sugerir é que, para além de termos de suportar todas essas atrocidades, também sejamos gentis para com os agressores – ou que não os odiemos, pelo menos. Uma tarefa deveras difícil, eu sei.
Descobri que há uma parte de mim que considera estar zangado diabolicamente apelativo. Não há algo de divertido em lutar, fazer mexericos, ser contra, centrarmos as nossas atenções no vilão (ou na vilã)? É como se nós (ou alguns de nós) precisássemos de um inimigo, de alguém a quem nos opormos. Talvez por isso seja difícil tentar ver os que agridem os animais não como inimigos, mas como pessoas com os seus próprios problemas. Pessoas que, talvez, precisemos de ajudar e tentar compreender, em vez de condenar e punir.
Creio que é bom termos consciência disso. Também é bom termos consciência que para todos nós (exceto os santos que me estejam a ler) há muito espaço para melhorar. Fazemos, de muitas formas, todos parte do mesmo grupo. O grupo de pessoas que precisam de melhorar. Trata-se de elevar toda a humanidade, nós incluídos, a um outro nível de compaixão.
Se, de quando em onde, precisarmos de aliviar a pressão da panela, podemos fazê-lo na privacidade de um grupo do Facebook, no ginásio, ou com amigos com opiniões semelhantes. Mas seria excelente se, para o exterior, fôssemos um exemplo cintilante de compaixão: ajudando pessoas, mostrando-lhes alternativas, estendendo-lhes a nossa mão. Podemos repetir mil vezes que não é difícil tornarem-se veganas e que é um dever moral, mas avançaremos mais se mostrarmos alguma compreensão. Um dia teremos aberto o suficiente o coração e a mente das pessoas e atingiremos o ponto de não retorno. O que fará desse um dia mais próximo não será a nossa raiva, mas o nosso amor.
PS: Garanto-vos que nem sempre sou capaz de praticar o que prego. Talvez sejamos capazes de ensinar bem aquilo que temos mais necessidade de aprender.
Tradução: Sérgio Duarte
Artigo traduzido com a permissão do autor.
Original: http://veganstrategist.org/2015/07/27/not-our-anger-but-our-love/